terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ao contrário do que alguns pensam, os animais não são seres estranhos ao homem, apenas porque apresentam forma física e comportamento diverso. Homem e animais fazem parte do que chamamos eco-sistema, ou seja, um conjunto harmônico e milenar de convivência, absolutamente necessário para a manutenção da qualidade de vida no planeta. A nossa Constituição, em seu artigo 225, prega o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, sendo obrigação do Poder Público fiscalizar atividades que possam submeter animais a crueldade. A Lei 9.605/98, em seu artigo 32, considera crime praticar atos de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, com pena de três meses a um ano e multa, mesmo que o dano seja resultado de experiência com fins didáticos. Porém, não é crime o abate de animal, artigo 37 da lei referida, quando realizado em estado de necessidade - para saciar a fome do agente ou de sua família, e mesmo assim apenas em situações de extrema penúria e absoluta impossibilidade de obtenção de outro alimento, para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente, e por ser nocivo o animal, desde que assim se caracterize pelo órgão competente. Ou seja, o cidadão desprovido de autoridade ambiental, por maior que seja eventualmente seu conhecimento técnico, não pode tomar a iniciativa de abater o animal por que, na sua concepção, ele possa ser nocivo, pois esta é uma situação que deve ser examinada por autoridade ambiental. Esta, por sua vez, tomará todos os cuidados para que o abate não seja apenas a realização de uma vontade pessoal de quem a requer, como forma de livrar-se do animal, obter vantagens econômicas ou saciar sentimentos menos nobres. Por fim, como “tudo que o homem fizer a terra fará aos filhos da terra”, qualquer ato de crueldade contra animais deve merecer nosso mais veemente repúdio. Em razão disto, o Ministério Público, a quem a lei dá a tutela judicial dos animais, está e sempre estará atento às tentativas de reduzir estes seres a objetos, uma vez que são sujeitos de direito, cabendo a todos e a cada um sua proteção.
Por João Marcos Adede y Castro
Promotor de Justiça

domingo, 21 de março de 2010

1 - Introdução

Sempre que um crime bárbaro toma conta das manchetes dos noticiários ressurgem os debates acerca da possibilidade de adoção da pena de morte pelo Brasil. Os favoráveis à pena capital argumentam que tal medida é necessária para combater severamente a criminalidade organizada. Sustentam, ainda, que o ordenamento jurídico pátrio adota a pena de morte em situações excepcionais, ou seja, em caso de crimes militares em tempo de guerra. Logo, uma eventual emenda constitucional seria instrumento legítimo para estender a aplicação da pena de morte a outros delitos.
Por outro lado, uma corrente contrária defende que não existe comprovação empírica de que a pena de morte seja instrumento idôneo a propiciar a diminuição da criminalidade nos locais onde adotada. Frequentemente, citam o exemplo norte-americano, em que os estados que adotam a pena capital não registram índices de criminalidade violenta inferiores em relação àqueles que não a admitem. Ainda, alegam que o ordenamento jurídico brasileiro não comporta a adoção da pena de morte, sequer por meio de emenda constitucional. Isso porque o art. 60, §4°, da Constituição da República, estabelece que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Logo, consistindo a pena de morte em uma restrição flagrante ao direito à vida, não haveria como a medida ser implementada no Brasil.
Contudo, o presente trabalho não tem por objetivo analisar a posição de cada uma das correntes mencionadas acima. Não se pretende concluir se a pena de morte tem eficácia no combate ao crime, ou se a matéria pode vir a ser objeto de emenda constitucional. O que se pretende nesse estudo é pesquisar se a pena de morte, em qualquer uma de suas formas de execução, pode ser acolhida pelo ordenamento jurídico nacional. Ou seja, parte-se do princípio de que a instituição da pena de morte não viola a CR/88. Passa-se a perquirir, assim, se os métodos de execução da pena de morte podem ser considerados constitucionais.
Em outras palavras, o curso tem por objeto responder à seguinte pergunta: se a pena de morte for instituída no Brasil, existe algum meio de execução dessa sanção que possa ser considerado constitucional?
2 - Princípio da Humanidade
Segundo Bittencourt (2003, p.15), "o princípio da humanidade do Direito Penal é o maior entrave para a adoção da pena capital e da prisão perpétua. Esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados".A consagração do princípio da humanidade nos remete ao relatório de uma comissão inglesa sobre pena de morte, a chamada Royal Commission on Capital Punishment. De acordo com esses trabalhos, a execução da pena de morte exige a presença de três requisitos: humanidade, certeza e decência.

A humanidade se refere à técnica adotada na execução da pena, que deve matar o condenado sem aflição e sem dor.Entende-se certeza como a necessidade de que o meio escolhido para a execução venha a ceifar a vida do condenado de forma imediata, sem interrupções ou problemas operacionais.Por fim, decência significa dignidade, ou seja, deve-se evitar o excesso de brutalidade, a mutilação e a deformação do corpo do cidadão.

Como se vê a partir dos conceitos transcritos acima, o princípio da humanidade se encontra intimamente ligado às conclusões da Royal Commission on Capital Punishment. Logo, pode-se afirmar que o princípio da humanidade somente estará respeitado, no que tange à execução da pena de morte, se os critérios expostos estiverem atendidos.Muitos podem se perguntar: "O ladrão e o estuprador não têm a menor piedade de suas vítimas. Por que o Estado tem de ser piedoso ao executar a pena de morte?". A resposta é simples. Afinal, em um Estado Democrático de Direito, o Estado não pode matar como se fosse um estuprador ou um ladrão. Não se pode diminuir direitos e garantias fundamentais como forma de garantir um Estado Democrático de Direito que zela por tais conquistas. Ou seja, se o Estado se comportar de forma criminosa contra o criminoso, estará caindo em contradição.
3 - Formas de Execução
As principais formas de execução da pena capital conhecidas pelo homem são as seguintes: enforcamento, fuzilamento, injeção letal, decapitação, câmara de gás e cadeira elétrica.O enforcamento foi um dos meios mais utilizados pela humanidade na execução da pena de morte. Para se ter uma idéia, somente em 1969 a Inglaterra aboliu os enforcamentos. A técnica consiste no seguinte: o carrasco coloca um capuz na cabeça do condenado, e passa-lhe uma corda no pescoço (nos Estados Unidos, passava-se pela orelha). Então, abre-se um alçapão de forma que o corpo do condenado caia. O objetivo é fazer com que a queda abrupta provoque a ruptura da medula, com a conseqüente perda de consciência por parte do réu.

Entretanto, há inconvenientes. Se o carrasco erra o cálculo da queda "para menos", a morte se dá por asfixia. Trata-se de espetáculo deprimente, em que o condenado sofre e se contorce por vários minutos até a superveniência de sua morte. Viola, portanto, o requisito de humanidade exigido pela Royal Comission on Capital Punishment. Todavia, se o erro é "para mais", existe a forte possibilidade de que a cabeça do condenado seja arrancada. Infringe-se, nesse caso, o requisito da decência.

Ainda, deve-se ressaltar que existem vários relatos de enforcados que foram reanimados, bem como de outros cujos corações permaneceram batendo por quase vinte minutos após o enforcamento. Até por isso, na Inglaterra, surgiu o costume de deixar o corpo pendurado, por no mínimo uma hora, antes de ser retirado.

O ordenamento jurídico brasileiro admite a pena capital na hipótese de crimes militares em tempo de guerra. A execução, nos termos do Código de Processo Penal Militar, se dá por meio de fuzilamento. Dois são os principais problemas encontrados na morte por fuzilamento. Em primeiro lugar, existe a possibilidade de que o condenado receba vários disparos que não vêm a atingir região letal. Logo, fere-se o requisito da certeza. Alguns ordenamentos, para evitar esse problema, adotam um tiro de misericórdia, desferido pelo líder do pelotão contra o crânio do réu. Não parece sequer necessário mencionar que um tiro à queima roupa contra a cabeça do condenado tem o condão de lhe desfigurar por completo a face. Assim, acaba por se infringir o critério da decência.
A injeção letal se apresenta, à primeira vista, como o método de execução que mais parece se adequar às exigências da Royal Comission on Capital Punishment e ao princípio da humanidade. O problema, nesse caso, se encontra na resistência da própria classe médica, que se recusa a transformar seu papel de salvar vidas em uma função de carrasco. Essa resistência surgiu desde a primeira lei que institui a injeção letal, em Oklahoma, nos EUA. A Associação Médica Britânica, inclusive, chegou a se manifestar no sentido de que nenhum médico deverá tomar parte na morte de um condenado.
A decapitação, pela sua própria natureza, pode ser considerada como um meio de execução que viola o critério da decência. Afinal, o pressuposto básico da decapitação consiste na separação da cabeça do réu do resto do corpo. Mais que isso, a história registra ainda alguns incidentes desagradáveis. Lâminas pouco afiadas somadas a réus com pescoços grossos faziam com que determinadas execuções somente terminassem após vários golpes de lâminas. Ou seja, sucessivos golpes eram dados contra o pescoço do condenado, que pouco a pouco a pouco tinha sua cabeça arrancada. Dessa forma, não se pode falar em certeza, pois a execução é passível de ser interrompida por indefinidas vezes.

A humanidade ficou marcada pelas atrocidades cometidas pelos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. Milhares de judeus foram covardemente mortos sob as ordens de Hitler, muitos deles em verdadeiros extermínios cometidos por meio da câmara de gás. Destarte, a câmara de gás passou a carregar consigo uma pesada conotação política, motivo pelo qual foi abolida da esmagadora maioria dos países que ainda adotam a pena capital. Além disso, existem diversos relatos em que o réu não sofre perda de consciência imediata, morrendo em decorrência de um longo e doloroso processo de asfixia. Desrespeitado, portanto o critério da humanidade.

Por fim, tem-se a cadeira elétrica. Trata-se de método amplamente adotado nos países ocidentais que admitem a pena de morte, mormente nos Estados Unidos da América. Contudo, consiste no procedimento que mais fere o princípio da humanidade e os critérios da Royal Comission on Capital Punishment.

O condenado à cadeira elétrica recebe em média 4 (quatro) descargas de energia em curtíssimos intervalos. Cada uma delas varia entre 500 e 2.000 volts. Tais descargas muitas vezes provocam queimaduras no rosto e nas pernas do réu, locais onde são colocados os eletrodos. Outro inconveniente relatado pelas testemunhas das execuções se encontra na fumaça e no cheiro de carne queimada que invade a sala de execução. Mas esses são apenas os menores dos males. Há relatos de réus que não morrem com as primeiras descargas sucessivas. Logo, o médico se aproxima, checa o pulso do condenado, verifica que o mesmo ainda está vivo, e autoriza mais uma série de descargas. Frequentemente alguns réus têm seu suplício estendido para até 3 (três) séries de descargas elétricas, donde se conclui que o método não se amolda ao requisito da certeza.

Aumentar a voltagem seria uma saída para adequar o método ao critério da certeza? Sim. Entretanto, uma descarga de mais de 10.000 volts, por exemplo, queimaria por completo o corpo do réu, deixando-o irreconhecível. Nesse caso, estaria ferido o critério da decência.
4 - Conclusão
O princípio da humanidade, consagrado pela CR/88, veda a possibilidade de criação e aplicação de penas que atentem contra a dignidade humana (PRADO, 2004). Logo, ainda que se entenda que a pena de morte em si, como instituto, não viola os direitos fundamentais previstos na Carta Magna brasileira, não existe qualquer modo de execução da pena capital que não ofenda o princípio da humanidade. Consequentemente, conclui-se que não existe qualquer forma de execução da pena de morte que possa ser considerada constitucional.

Obs: Esse curso foi inspirado na obra do Professor Nilo Batista, que em seu livro Punidos e Mal Pagos (ed. Revan), traz uma das mais brilhantes reflexões sobre a pena de morte já produzidas pela doutrina brasileira.Obs2: Outras informações sobre a Royal Commission on Capital Punishment podem ser encontradas no site
http://www.bopcris.ac.uk/bopall/ref9738.html.
Este artigo foi inscrito por : Thiago Lauria*
*Advogado atuante no Escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados. Mestrando em Direito Processual Penal pela UFMG. Especialista em Ciências Penais pela UGF. Graduado em Direito pela UFMG.Professor de Direito Penal da Faculdade Metropolitana.

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